Matéria de Zeinab Badawi para a BBC - reprodução na íntegra.
A grande pirâmide de Gizé, no Cairo, é considerada uma das sete maravilhas do mundo antigo.
Mas quem segue o curso do rio Nilo e viaja rumo ao sul, no território onde hoje é o Sudão, se depara com milhares de construções similares, que pertenceram ao reino de Kush (ou Cuche).
Kush foi uma superpotência africana e sua influência se estendeu até o atual Oriente Médio.
O reino existiu por centenas de anos e, no século 8º antes de Cristo, conquistou o Egito, também na África, governando-o por décadas.
E o que restou dessa civilização é impressionante.
Legado
Mais de 300 pirâmides continuam intactas, praticamente inalteradas desde que foram construídas, há cerca de 3 mil anos.
As mais suntuosas se encontram em Jebel Barkal, uma pequena montanha no Sudão do Norte que, junto com a cidade de Napata, são consideradas patrimônio da humanidade pela Unesco, o braço da ONU para educação, ciência e cultura.
No local, além das pirâmides, há tumbas, templos e câmaras funerárias completas, com pinturas e desenhos que a Unesco descreve como "obras-primas de um gênio criativo que mostram os valores artísticos, sociais, políticos e religiosos de uma comunidade de mais de 2 mil anos".
Os cuchitas eram africanos negros, em sua maioria agricultores, mas também artesãos e mercadores. Eles vendiam ouro, incenso, marfim, ébano, óleos, penas de avestruz e pele de leopardo.
Além de possuir minas de ouro e terras cultiváveis, o reino ocupava uma localização comercialmente estratégica, dado que de lá se transportavam mercadorias pelo rio Nilo e também por estradas que levavam ao mar Vermelho.
Suas riquezas chegaram a rivalizar com as dos faraós.
Mas até hoje o legado de Kush ainda não é amplamente conhecido, inclusive entre os africanos.
História da África
Um projeto com objetivo de resgatar o passado do continente nasceu no início da década de 1960.
A África se tornava independente da Europa e, em meio à onda nacionalista, muitos de seus jovens líderes assumiram o compromisso de não só descolonizar seus países, mas também suas histórias.
Tampouco havia interesse de historiadores ocidentais. Por causa da falta de registros escritos, muitos deles simplesmente abandonaram a tarefa de revisitar o passado do continente.
Assim, a Unesco ajudou estudiosos africanos a criar o projeto, recrutando 350 especialistas de diferentes áreas e de toda a África.
O resultado foi uma coletânea de oito volumes que abrangem desde a pré-história até a era moderna.
O oitavo livro foi concluído na década de 1990 e o nono já começou a ser preparado.
Polêmica
Houve polêmica, contudo, em torno da decisão da Unesco de começar a coletânea com um exemplar sobre as origens da humanidade, expondo a teoria da evolução.
O volume provocou a ira de comunidades cristãs e muçulmanas, dado que alguns países da África acreditavam no criacionismo, doutrina que defende que os seres vivos surgiram do criador e não são, portanto, fruto da evolução.
O paleontólogo queniano Richard Leakey, que contribuiu para a elaboração do primeiro volume, diz acreditar que o fato de o ser humano ter vindo da África continue sendo algo digno de reprovação por alguns ocidentais, que preferem negar essa origem.
Apesar disso, continua pouco divulgada a história do reino de Kush, onde as rainhas podiam governar por direito próprio.
O mesmo ocorre com o reino de Aksum, descrito como uma das quatro grandes civilizações do mundo antigo.
Os reis aksumitas controlavam o comércio do mar Vermelho desde seu território, situado na região onde estão atualmente a Eritreia e a Etiópia.
Além disso, foram os primeiros governantes da África a abraçar o cristianismo e em convertê-lo em religião oficial do reino.
'Escuridão'
Para especialistas, por força da influência colonialista, essa história é pouco conhecida até entre acadêmicos e professores africanos.
Por causa dela, não tiveram acesso a um relato integral e cronológico de sua história.
Hugh Trevor-Roper, um dos mais destacados historiadores britânicos de todos os tempos, diz: "Talvez no futuro será possível ensinar algo sobre a história da África. Mas até o momento não há nenhuma ou quase nenhuma: só existe a história dos europeus na África".
"O resto é escuridão, assim como ocorre com a história pré-europeia e a pré-colombiana na América. Uma escuridão que não é sujeito para a história", completou.
A declaração é de 1965, mas continua atual.
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